Ana Luiza Tieghi / Revista Espaço Aberto
Não há dúvidas de que a população com mais de 60 anos só aumenta no mundo todo. Estamos chegando com cada vez mais frequência à terceira idade, porém, chegamos com qualidade? O modo de vida moderno e urbano esconde várias situações que podem prejudicar o processo de envelhecimento saudável e natural.
“Quando falamos em ‘envelhecimento natural’ nos referimos ao processo de senescência, que exclui a presença de doenças”, explica o médico geriatra e professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto Eduardo Ferriolli. Mesmo o envelhecimento natural já apresenta uma série de mudanças no organismo humano. “Talvez, uma das principais seja a redução da massa, da força e da função muscular”, conta. Segundo o médico, a partir dos 30 e 40 anos há a perda anual de cerca de 1% da massa esquelética e uma perda ainda maior de força muscular, o que afeta a funcionalidade e a qualidade de vida do idoso. “A redução, em especial, da força e função muscular é relacionada à maior ocorrência de quedas, redução da atividade física espontânea, surgimento de dependências e diminuição da qualidade de vida”, afirma.
Também é comum a diminuição da capacidade de enxergar objetos próximos e a redução da audição, paladar, olfato e da fome. Por fim, na terceira idade também ocorre uma diminuição da reserva funcional de diversos sistemas do organismo, “o que reduz a capacidade do idoso de resistir a fatores estressores como infecções, medicações e traumas”, aponta Ferriolli.
Cristoforo Scavone, professor do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) e pesquisador do Laboratório de Neurofarmacologia Molecular, afirma que atualmente estudos mostram que no envelhecimento não existe uma perda de funções do cérebro, mas a diminuição da velocidade de transmissão de informações entre algumas áreas do sistema nervoso. “Mas mesmo isso é questionado do ponto de vista dos estudos de memória, porque um organismo mais desenvolvido já criou estratégias para buscar informações de forma mais complexa, então ele tem a vantagem em relação ao jovem, porque possui ramificações e poder de conexões muito superiores”, contrapõe.
Segundo o cientista, o que se discute no envelhecimento é que você pode ter um declínio no poder de transmissão de informações no sistema nervoso, mas devido a todo o aprendizado que teve durante a vida, isso não chega a comprometer o desenvolvimento e as funções do idoso dentro da sociedade. Qualquer alteração nesse equilíbrio seria resultado de uma patologia, não um “sintoma” do envelhecimento natural.
O peso do estilo de vida
Se durante o processo de envelhecimento ocorrem tantas mudanças no organismo humano, elas podem ser agravadas dependendo do estilo de vida de cada pessoa. A forma como cada um levou sua vida também pode resultar em novos problemas para a saúde, contribuindo inclusive para uma maior incidência de doenças neurodegenerativas, como o mal de Parkinson e Alzheimer. “Ao mesmo tempo em que alcançamos uma evolução, em que conseguimos remédios e procedimentos, cada vez nos estressamos mais. Nossas necessidades aumentaram”, conta Maria Inês Nogueira, professora do ICB e pesquisadora do Laboratório de Neurociências da unidade.
A vida moderna permitiu que mais pessoas chegassem à terceira idade, e no futuro teremos cada vez mais idosos no mundo. Segundo dados do Fundo de Populações das Nações Unidas (Unfpa), atualmente uma em cada nove pessoas no mundo tem 60 anos ou mais, são 810 milhões de pessoas na terceira idade. Projeta-se que em menos de uma década esse número chegue a um bilhão e então duplique em 2050, quando os idosos serão 22% da população global. Também no Brasil a quantidade de idosos só aumenta. Em 2010 eles eram 10% da população, mas em 2050 deverão chegar a 30%, ou 64 milhões de pessoas.
“Acho que o segredo agora é descobrir porque alguns envelhecem sem nenhuma degeneração, o que no cérebro deles é diferente da maioria, porque hoje é muito grande o número de pacientes idosos com doenças neurodegenerativas”, afirma Elisa Kawamoto, pesquisadora associada ao National Institute on Aging, nos Estados Unidos, e que atualmente também trabalha no ICB.
O fator genético possui seu peso como indutor de doenças neurodegenerativas, mas ele está longe de ser o principal causador desses problemas. “A genética influencia, sim, o estado de saúde durante a velhice, mas em menor proporção do que se imagina. É sabido que na determinação do estado de saúde de uma pessoa até sua oitava década de vida, a genética contribui com cerca de 30%, os outros 70% ficam por conta de hábitos, dieta, meio ambiente, atividade física, nível educacional, aspectos sociais e outros fatores modificáveis”, conta o professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto.
“Tem o fator genético, familiar, e aí a doença aparece mais cedo, ao redor dos 60 anos algumas pessoas já começam a apresentar sinais de esquecimento, perda de memória e cognição. Mas tem um lado ambiental que pode até compensar essa queda do sistema neurológico, que seria o exercício físico e uma dieta equilibrada, de baixas calorias”, afirma Elisa. Ela explica que a alimentação equilibrada e com poucas calorias evitaria a formação de radicais livres, que ocasionam a morte de neurônios, além de estimular a formação de proteínas que protegem essas células contra os ataques dos radicais livres.
A tão famosa “dieta equilibrada” propagandeada pelos cientistas é rica em fibras, peixes e frutos do mar. Maria Inês também destaca a importância de uma vida mais regrada para alcançar uma velhice sadia, o consumo de alimentos integrais, sem agrotóxicos, e a redução do consumo de carne.
Estudos recentes mostram que há uma ligação entre casos de diabetes e o aparecimento da doença de Alzheimer. “Não se sabe exatamente qual é essa ligação, mas existe uma grande possibilidade de pacientes que têm diabetes também desenvolverem um déficit cognitivo tipo Alzheimer”, conta Elisa. “Todo esse quadro de síndrome metabólica, diabetes, pressão alta, colesterol alto, LDH alto, pode afetar o funcionamento do cérebro”, acrescenta a pesquisadora.
Movimentar-se é importante
“Por mais que se fale em dietas e no fator ambiental, é muito difícil você tirar a influência que o estresse e os hábitos alimentares de uma grande cidade possuem”, afirma Scavone. Como a maioria das pessoas trabalha fora e não se alimenta em casa, elas ficam expostas a uma série de condições desfavoráveis à saúde. Por isso a prática de exercícios físicos é tão importante na terceira idade, e em qualquer outra fase da vida. “Ela resgata o equilíbrio do organismo, induz um gasto calórico e diminui a pressão arterial”, aponta o pesquisador do ICB, que defende a prática de exercícios aeróbicos ao ar livre, para que a pessoa possa interagir com o meio ambiente e com outras pessoas, o que também contribui para um organismo saudável.
Scavone também defende a existência de locais nas grandes cidades que propiciem a prática da atividade física e do lazer, gratuitamente, como forma de melhorar a saúde e a qualidade de vida de seus moradores. “Se você consegue mudar os ambientes, você diminui o investimento público em saúde, porque evita que as pessoas com pouca idade já tenham uma série de doenças, como a diabetes e problemas crônicos renais, que nós vemos agora que possuem relação com essa parte de cognição e de doenças mentais”, afirma.
Atividades para o corpo e a mente
Manter a cabeça ativa é tão fundamental quanto exercitar os músculos. “É importante você procurar aprender coisas novas, se abrir para a vida, fazer amizades, sair, se colocar desafios e aceitar aqueles que a vida coloca”, afirma Maria Inês. A professora do ICB também destaca que jogos como o xadrez e palavras cruzadas ajudam a exercitar a mente e oxigenar o cérebro.
É comum que com o avanço da idade as pessoas se isolem no convívio familiar, restringindo suas atividades e deixando de fazer novas amizades. Por isso, ações que obriguem os idosos a conhecer novas pessoas e os desafiem a realizar uma tarefa diferente contribuem para que a mente e o corpo permaneçam sadios. Um exemplo são as aulas de teatro que Adenilson Matos do Nascimento, também conhecido como Cauê Matos, proporciona a pessoas da terceira idade desde 2007. O trabalho realizado com idosos foi tão bem-sucedido que resultou em um mestrado em Psicologia, apresentado no ano passado sob supervisão da professora Maria Inês.
Nascimento trabalhava na Estação Ciência, realizando atividades teatrais que envolviam ciências e artes com crianças e jovens. Foi então que percebeu a falta de um espaço para que os idosos também pudessem participar. A oportunidade veio com o programa Universidade Aberta à Terceira Idade, da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária. “Nós colocamos essa possibilidade e a direção aceitou, pois sabia como era importante se abrir para um público mais amplo”, conta.
O grupo de teatro com idosos formado por Nascimento chegou a ter 120 participantes, e foram encenadas seis peças, incluindo criações próprias do grupo. Ele conta que as pessoas chegavam receosas ao grupo, mas que ao se sentirem aceitas, relaxavam e começavam a criar conexões com os demais integrantes. “Dou exercícios de corpo, uso teatro e dança, e eles muitas vezes têm um histórico de estar tão voltados a se dar para o outro, para o filho, o marido, a esposa, que muitas vezes quando solicito que movimentem determinada parte do corpo, a falta de conhecimento e consciência de si é tão grande que eles movimentam outra parte. Eu peço ‘movimentem o ombro direito’, eles mexem a perna esquerda, ‘movimentem a coluna’, eles mexem a cabeça. Não é uma patologia, é que, exagerando um pouco, eu deixo de existir para que o outro exista”, afirma.
A prática teatral possibilita que esses idosos comecem a conhecer seu próprio corpo, que por tanto tempo era apenas usado para atender às necessidades de outras pessoas. Além disso, ao estudar um autor, um personagem, os idosos aprendem algo novo, que podem levar até seus conhecidos. “Imagina uma senhora já idosa, avó, que ficava em casa e pouca coisa tinha a falar para as pessoas que já dominavam o computador, saíam para trabalhar etc. A partir do momento em que ela começou a estudar Shakespeare, chegava em casa e falava ‘nossa, estou fazendo tal personagem, e ele tem a ver com isso e com isso’. A família ouve e fica intrigada, começa um processo de interação. Essa é realmente a inclusão social, é quando você tem algo a dizer e o outro te escuta”, afirma.
E muitas pessoas que passaram pelo grupo de teatro encontraram mais do que uma forma de passar o tempo. Nascimento conta que se surpreendeu ao saber que antigos participantes do grupo se tornaram atores profissionais.
Envelhecer e continuar ativo é algo que demanda esforço e conhecimento sobre o próprio corpo, mas atualmente estamos mais preparados para enfrentar essa fase da vida. “Nas últimas décadas, o conhecimento científico sobre o processo de envelhecimento e suas consequências vem aumentando de forma exponencial, bem como a melhor compreensão das doenças mais frequentes no idoso, seu tratamento e prevenção”, afirma Ferriolli, que acredita que, com a disseminação do conhecimento sobre a terceira idade, o interesse das pessoas em se informar sobre o envelhecimento saudável está aumentando “de forma impressionante”. Com o aumento da expectativa de vida, se preparar para a velhice é garantir mais muitos anos de experiências e descobertas.
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