Do Jornal da USP
A superoferta de informações disponíveis aos jovens é um dos fatores determinantes para que o papel do professor em sala de aula tenha mudado. Entretanto, cabe ao professor “ajudar a organizar e criticar essa informação”, lembra Vera Boholometz Henriques, docente do Instituto de Física (IF) da USP, ressalvando que a superoferta por si só não garante que as coisas façam sentido.
Vera é coordenadora do Encontro USP-Escola, que em sua nona edição, realizada de 12 a 16 de janeiro no IF, ofereceu uma intensa programação da qual fizeram parte oficinas e palestras sobre Tecnologia da Informação e uso dos novos instrumentos da comunicação. Participaram cerca de 250 professores da rede pública vindos de mais de 60 municípios de São Paulo, além do Rio de Janeiro, Paraná, Mato Grosso e Minais Gerais.
“Falta muita coisa na formação dos professores. Um dos objetivos do encontro é oferecer atualização em termos de conteúdo e metodologia. A mudança da metodologia na sala de aula é essencial”, aponta Vera Henriques. Outra ênfase da programação era proporcionar oficinas em que os próprios educadores apresentassem experiências bem-sucedidas em suas escolas. Uma delas, por exemplo, demonstrou como utilizar a interatividade das ferramentas on-line na aula.
O conteúdo das oficinas privilegiou atividades que possam ser realizadas com materiais simples, porque a disponibilidade de equipamentos e recursos é muito desigual nas escolas da rede. Um questionário da organização aponta que apenas 6% das escolas participantes possuem laboratórios de ciências.
Condições de trabalho
A discussão das condições de trabalho e das estruturas nas quais os educadores atuam, por sinal, tem sido uma ênfase das últimas edições do encontro. O USP-Escola existe desde 2007, e em 2010 foi formado um Grupo de Trabalho com professores da USP e representantes da rede para discutir a organização das atividades e os temas de cada programação.
Como resultado, as mesas-redondas da edição recém-encerrada abordaram os grandes processos de reformulação do ensino no Brasil. Entre esses temas, a representante da Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação (MEC), Clarice Traversini, falou sobre a construção da nova Base Nacional Comum Curricular, que o MEC encaminhará para discussão nas escolas neste ano. A previsão é de que o processo seja concluído em 2016 para adoção dos novos currículos em 2017.
A implementação em São Paulo do Pacto Nacional pelo Ensino Médio foi abordada por João Freitas da Silva, diretor da Coordenadoria de Gestão de Educação Básica da Secretaria de Educação do Estado. Outras mesas do encontro discutiram educação especial, financiamento de projetos na escola estadual, educação continuada de professores nos Estados Unidos e experiências de escola democrática.
Ouvir quem está no front
Wilson Araújo, professor da EE Rita Pereira Bicudo, na zona norte da capital, e integrante do GT USP-Escola, relata que ao longo das edições anteriores os participantes sempre elogiaram os cursos oferecidos, mas frequentemente encontravam problemas para aplicar o que aprendiam. “Na hora de ir para a prática na sala de aula, as dificuldades anteriores de condições de trabalho e de exercício da função praticamente não eram afetadas. Essa é a diferença qualitativa fundamental que vem ocorrendo no programa de uns tempos para cá”, diz. “O foco é a mobilização dos professores enquanto categoria e como eles trabalham na escola, e não o professor como indivíduo.”
“É complicado aplicar tudo. Nessa hora o professor tem que repensar bem e tentar dar aquele ‘jeitinho brasileiro’. Se necessário, se faltar algo de tecnologia, o professor leva alguma coisa do seu material para complementar. É essa a situação, infelizmente”, confirma a professora Patrícia Gonçalves dos Santos, de Cubatão.
Essa ideia de que o professor não vale nada está muito solta na mídia e acaba chegando na gente até pelos pais e alunos. Se não buscarmos motivação, não vamos conseguir trabalhar.
“A imagem do professor está muito estigmatizada. Essa ideia de que o professor não vale nada está muito solta na mídia e acaba chegando na gente até pelos pais e alunos. Se não buscarmos motivação, não vamos conseguir trabalhar”, diz Ana Paula Bastos de Lima, que leciona no Grajaú, zona sul de São Paulo. As duas professoras, que participaram pela primeira vez do USP-Escola, ressaltam a qualidade dos cursos, debates e oficinas, e garantem que vão retornar nas próximas edições.
Para a coordenadora do programa, conversar com os docentes que estão no front da sala de aula deveria ser uma preocupação constante dos formuladores das políticas na área da educação. “As ideias têm que ser discutidas na prática com os professores. Não basta vir de cima”, defende Vera Henriques. “Falta engajar os professores. Eles são tratados como receptores de informações que vêm de cima.”
Um dos objetivos do USP-Escola é exatamente propiciar diálogo e interação entre os educadores. O alcance da iniciativa, no entanto, como reconhecem os próprios organizadores, ainda é tímido: a rede inteira tem em torno de 300 mil professores e, desde a sua primeira edição, participaram dos encontros cerca de 3 mil – ou 1% do quadro.
A cobertura completa do Encontro USP-Escola você encontra na edição do Jornal da USP, que circula nos campi a partir de 26 de janeiro.
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