Valéria Dias / Agência USP de Notícias
Ao analisar as imigrações de chilenos para o Brasil ocorridas nos últimos 30 anos, a historiadora Vanessa Paola Rojas Fernandez constatou que esse movimento foi motivado, principalmente, por questões econômicas. Segundo ela, após o golpe militar contra o presidente Salvador Allende, em 11 de setembro de 1973, o desemprego aumentou, motivando a saída de muitos chilenos rumo a outros países. Ao entrevistar imigrantes chilenos que se fixaram no Brasil, a pesquisadora pôde também identificar as estratégias que eles utilizaram ao se depararem com uma cultura e um idioma diferentes, como as adaptações aos contextos e as negociações identitárias.
O tema foi analisado em seu mestrado Dilemas da construção de identidade imigrante: história oral de vida de chilenos em Campinas, apresentada em 2011, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, sob a orientação do professor José Carlos Sebe Bom Meihy. Filha de chilenos residentes no Brasil, Vanessa conta que, desde criança, conviveu com esta experiência migratória. “Além disso, a imigração econômica ocorrida no Chile por influência política é um tema muito pouco estudado”, diz a pesquisadora, ressaltando a diferença desse contexto para aquele observado nos casos de refugiados políticos.
A pesquisa foi realizada no Núcleo de Estudos em História Oral (NEHO) da FFLCH, coordenado pelo professor Meihy. Vanessa entrevistou 7 imigrantes chilenos, sendo 4 homens e 3 mulheres, moradores da cidade de Campinas (interior de São Paulo) que se mudaram para o Brasil em períodos que abrangeram desde o golpe de 1973 até o início dos anos 1990. A faixa etária, na ocasião da mudança, era de 20 a 30 anos. A pesquisadora realizou longas entrevistas qualitativas que buscaram acessar a história oral de vidas desses imigrantes, desde a infância, até os tempos atuais, passando pelas dificuldades enfrentadas, os desejos e as opiniões sobre diversos assuntos.
Ao analisar as entrevistas, Vanessa percebeu que todos tentaram, durante muito tempo, ficar no Chile após o golpe militar, mas a economia do país não ajudava e eles decidiram mudar para o Brasil. “Apesar de, na época, também estarmos sob uma ditadura militar, havia uma grande oferta de empregos, devido ao chamado “milagre brasileiro”, diz. Segundo ela, “a maioria dos chilenos imigrantes possuía nível superior ou técnico, e como havia demanda de trabalhadores com esta formação, eles não tiveram problemas para encontrar ocupação. Porém, dois entrevistados já tiveram mais dificuldades, o que indica que não eram todos que possuíam uma formação técnica ou de nível superior”. O fato de ter a documentação regularizada também foi favorável.
Estratégias
Vanessa cita duas estratégias utilizadas diante de uma nova realidade cultural e a diferença de idioma: as adaptações aos contextos e as negociações identitárias. Para explicar o que é adaptações ao contexto, a pesquisadora cita como exemplo um dos imigrantes, que demorou cerca de 7 meses até conseguir um emprego. “Ele buscava uma ocupação na área da construção civil e não entendia o que acontecia, pois sempre ia muito bem arrumado nas entrevistas de emprego, vestindo terno, gravata e pasta de couro. No Chile os empregados dessa área se vestem dessa forma ao buscarem emprego. Foi então que esse imigrante percebeu que estava se vestindo da maneira inadequada, pois, no Brasil, as pessoas que buscavam emprego na construção civil não se vestiam daquele modo e isso causava um estranhamento nos empregadores”, conta.
A outra estratégia, a negociação identitária, pôde ser observada quando eles aprenderam o idioma português para se comunicar com os brasileiros, mas mantiveram a língua nativa (espanhol) para se comunicar entre si, e entre os familiares. Ou ainda, em relação à culinária, quando buscavam preparar alguns pratos típicos chilenos, numa busca pela manutenção da identidade chilena.
A pesquisadora percebeu ainda uma influência nas redes de imigração, com chilenos já estabelecidos no Brasil ajudando aqueles que estavam chegando ao Pais.
De todos os entrevistados, apenas um voltou a morar no Chile. Já os outros estão bem estabelecidos no Brasil com suas famílias e somente retornaram à terra natal a passeio. Uma das dificuldades que enfrentam atualmente é quanto a aposentadoria. “Existe um acordo governamental entre Chile e Brasil, no sentido de dar encaminhamento aos pedidos de aposentadoria, mas é algo bastante burocrático”, comenta a pesquisadora.
Em Campinas, vivem cerca de 3 mil chilenos. Na cidade do interior paulista, existe a Associação de Chilenos Residentes em Campinas e Região Pablo Neruda, além do grupo folclórico Raízes do Chile. Ambos ajudaram a manter as tradições e a passar os valores culturais chilenos para os filhos dos imigrantes e outros descendentes.
Movimento micro imigratório
Vanessa afirma que, apesar de ter sido em proporções bem menores do que outras ondas imigratórias (como a japonesa, italiana, espanhola, ou, mais recentemente, boliviana), a imigração chilena foi significativa.
Nas últimas três décadas do século 20, cerca de 500 mil chilenos se mudaram para outro país. “O impacto disso é grande, visto que, em 2002, a população do Chile era aproximadamente de 15 milhões de habitantes”, finaliza.
Em 2013, a pesquisa foi publicada em formato de e-book e pode ser baixado por meio deste link.
Mais informações: email [email protected], com Vanessa Paola Rojas Fernandez, site http://goo.gl/MzMAv2
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