No período que envolve a gravidez, o parto e os primeiros meses de cuidado do bebê, as mães, em geral, recebem o apoio da família e da comunidade. Para as mulheres que cumprem pena no sistema prisional, no entanto, o suporte vem de diversos profissionais, como agentes penitenciários, enfermeiros, psicólogos e assistentes sociais que atuam nas unidades materno-infantis. É para lá que as grávidas são encaminhadas quando chegam ao oitavo mês de gestação. Buscando capacitar os profissionais e propiciar a discussão das questões que envolvem este trabalho delicado, um grupo da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP realizou, pela primeira vez, o Curso de Atualização Profissional em Assistência Materno-Infantil.
Concretizado com o apoio da Coordenadoria de Saúde da Secretaria da Administração Penitenciária do Estado de São Paulo, o trabalho foi uma iniciativa do Laboratório de Saúde Mental Coletiva (Lasamec) da FSP. “Tentamos, nesse curso, aparelhar teoricamente os agentes penitenciários e os profissionais que trabalham no âmbito da prisão com esse universo da maternidade, com os cuidados que as mulheres devem ter e que cuidados podemos propiciar”, explica o professor Alberto Olavo Advíncula Reis, coordenador do Lasamec. Assim, durante aproximadamente dois meses, entre setembro e novembro de 2013, uma equipe multidisciplinar apresentou aos participantes, vindos de todo o estado, questões sobre saúde pública, puericultura, aspectos jurídicos e experiências bem-sucedidas em unidades prisionais.
Um dos pontos mais delicados da maternidade na prisão é a separação anunciada: após os seis meses que caracterizam o período de aleitamento, o bebê é, então, levado à família da presa ou outro responsável, ou então conduzido a um abrigo. Desta forma, se permite a criação do vínculo entre mãe e filho e, ao mesmo tempo, não se “pune” o bebê – embora o ambiente das unidades materno-infantis seja diferente das cadeias, ainda se trata de um regime fechado.
O contexto da separação é um dos temas presentes no estudo de mestrado de Tatiane Guimarães Pedroso de Oliveira, pesquisadora do Lasamec que acompanhou o curso oferecido aos profissionais das unidades. “E para a segurança, também é difícil estar nesse ambiente. Eles estão acostumados a um ambiente de punição e disciplina. Lá a estrutura física é diferente, não parece uma prisão, é um ambiente de ternura. Estar lá é visto, por alguns agentes, como uma espécie de castigo, pois preferiam estar em uma prisão normal”, conta Tatiane.
Construção coletiva
Segundo Alberto Reis, a ideia é que o curso tenha continuidade, seguindo a vocação da FSP de oferecer atualização em temas de saúde. Os bons resultados dessa primeira iniciativa motivaram o grupo a reunir as experiências em um livro. “Os encontros foram muito produtivos. Fizemos este caderno para ter algo concreto e duradouro, para as unidades poderem consultar, rever”, afirma o professor. “E fizemos questão, nessa publicação, de colocar o nome dos participantes. Em geral, eles ficam anônimos, mas não, eles são construtores disso”, completa.
O caderno Maternidade e Sistema Prisional: temas em debate será lançado na terça-feira, 25 de novembro, na Faculdade de Saúde Pública, e terá entre os presentes alguns dos profissionais que fizeram parte do curso. A ideia é abrir espaço para que eles relatem o que mudou em sua prática diária nas unidades materno-infantis, e também oferecer um retorno do trabalho realizado. Uma das convidadas do evento é a editora Vanessa Ferrari, mediadora do clube de leitura na Penitenciária Feminina de Sant’Ana. “Queríamos que ela viesse falar sobre essa experiência, ainda que não seja diretamente ligada a saúde”, explica Reis.
O coordenador do Lasamec adianta que algumas propostas serão apresentadas durante o encontro. Uma delas é a realização de atividades musicais nas penitenciárias. Reis também é diretor do CoralUSP e conta que uma das regentes tem a intenção de iniciar este trabalho, em especial nas alas femininas. Além disso, o professor ressalta as possibilidades que o tema oferece para a realização de projetos de pesquisa. “Há várias questões que não foram estudadas, são inusitadas, como a relação mãe e bebê nesse contexto, como se dá a separação. É um terreno extremamente rico, tanto para a administração penitenciária como para a universidade”, pontua.
Tatiane Guimarães, que é uma das autoras do livro, acredita que podem ser pensadas alternativas para melhorar a forma como essas mulheres vivem a maternidade. Entre elas, a flexibilização das penas, dependendo de cada caso, e do período que o bebê fica com a mãe. “Há casos de estrangeiras presas e, às vezes, o consulado demora a dar retorno sobre sua situação. Por que taxar só os seis meses? É preciso garantir as especificidades”, acredita a pesquisadora.
O lançamento do caderno Maternidade e Sistema Prisional: temas em debate aconteceu nesta terça-feira, dia 25 de novembro em encontro no Auditório Paula Souza da FSP.
Mais informações: site https://www.facebook.com/lasamec, email [email protected]
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