Hérika Dias / Agência USP de Notícias
Os aspectos morais dos conteúdos das histórias em quadrinhos (HQs) produzidas por Mauricio de Sousa estão relacionados com os padrões morais da sociedade e com as oportunidades mercadológicas advindas dos personagens das HQs.
Esse é um dos apontamentos finais da dissertação de mestrado Moral como mercadoria: a produção de Mauricio de Sousa na Folhinha de S. Paulo de 1963 a 1970, do historiador André Moreira de Oliveira, apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências e Humanas (FFLCH) da USP.
O pesquisador analisou o conteúdo das histórias em quadrinhos, charges e cartuns de Mauricio de Sousa publicados desde a fundação da Folhinha de São Paulo, em setembro de 1963 até maio de 1970.
“Há poucas pesquisas do trabalho do Mauricio quando ele ainda não tinha uma revista própria. Apenas no final do período estudado, ocorre o lançamento de uma revista dedicada somente às histórias da Maurício de Sousa Produções, editada pela Abril, em 1967”, afirma o historiador.
Oliveira buscou entender o surgimento do quadrinista como mediador e produtor cultural que obtém lucro com seus bens simbólicos culturais: os personagens das HQs, levando em conta a relação com a moral dirigida às crianças.
“Muitas vezes é difícil perceber que esses personagens são bens simbólicos, pois participa do capital agregado de outros produtos, o que leva a outra vertente para os estudos sobre histórias em quadrinhos em que se aborda a influência do merchandising na criação de personagens e suas posteriores mudanças para se adaptar a esse objetivo”, ressalta o pesquisador.
De acordo com Oliveira, Mauricio de Sousa criou personagens que podem promover sem grande polêmica uma quantidade enorme de produtos diversos, desde camisetas passando por extrato de tomate até maçãs e fraldas. “Essa possibilidade é por causa da moral das HQs, um modelo essencialmente urbano e ligado à moral da sociedade, com destaque para a classe média, grande público-alvo das histórias em quadrinhos da época”.
Nos primeiros anos na Folhinha, os personagens mais retratados eram o Raposão e a Turma da Floresta, ligados ao meio ambiente e à crítica da urbanidade. Entretanto, simultaneamente ao início da ditadura, em 1964, Cebolinha e Horácio são os focos das tirinhas. Próximo aos anos 1970, apenas o Horácio é tema das HQs.
“As histórias do Horácio retratam o individualismo, a depressão, a incapacidade de reagir às injustiças do mundo, nunca está feliz com a própria vida, temáticas próprias da classe burguesa da época”, destaca o historiador.
Ele lembra que as distribuidoras de HQs do período orientavam para que as histórias evitassem temas polêmicos, como religião, política, economia. O ideal era tratar de temais universais. Além disso, houve a promulgação da Lei de Nacionalização de Histórias em Quadrinhos de 1963, que determinava cotas de 60% de HQs brasileiras nos publicações nacionais.
“O Mauricio foi o que melhor se adaptou a esses códigos legislativos, ele também obteve apoio de grandes jornais, como a Folha de S. Paulo que o apresentou na Folhinha como o ‘Rei da Fantasia’, mesmo ele ainda não sendo um grande quadrinista na época. Longe de ser apenas uma questão artística, seu sucesso também é devido a não entrar em conflito com os governos instituídos e outras forças políticas majoritárias, além de se mostrar útil a eles”, finaliza Oliveira.
Mais informações: email [email protected], com André Moreira de Oliveira
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