Denise Casatti / Assessoria de Comunicação do ICMC
Lampião veio de Recife para São Carlos. Mas de nada adiantava percorrer esses mais de 2,6 mil quilômetros sem Virgulino. É a parceria de sucesso dos dois que traz esperança para os idosos: juntos, eles são capazes de estimular quem tem mais de 60 anos a fazer exercícios físicos, o que pode ajudar a combater a doença que mais os acomete, a depressão. Essa dupla dinâmica consegue, ainda, lembrar os idosos dos horários em que devem tomar seus remédios e promover entretenimento por meio da contação de histórias, da leitura de poesias e da visualização de imagens.
Mas Lampião e Virgulino só ganharam vida por causa do esforço de um grupo de dez estudantes do Colégio Apoio, de Recife. Foram necessários mais de três anos de pesquisa para criar o robô Lampião – que tem cerca de 1 metro de altura, é feito de armação de ferro e coberto de papel machê verde – e o aplicativo Virgulino, que mora em tablet, acoplado à barriga de Lampião. De 19 a 22 de outubro, esses dois nordestinos estiveram em São Carlos participando da Mostra Nacional de Robótica (MNR). Chegaram à cidade acompanhados por duas professoras e por um grupo de 30 alunos, responsáveis por apresentar 17 trabalhos no evento.
Eles estão entre os 110 projetos de escolas de ensino médio, fundamental, técnico e de universidades de todo o país que foram selecionados para a Mostra este ano e apresentados em São Carlos, durante a Joint Conference on Robotics and Intelligent Systems (JCRIS) 2014, a maior conferência sobre robótica e sistemas inteligentes já organizada no Brasil. Realizada em São Carlos de 18 a 23 de outubro, a Conferência reuniu um total de 12 eventos.
No universo rico e complexo desses 110 trabalhos, Lampião e Virgulino são o exemplo de que a robótica aliada ao ensino é capaz de motivar os estudantes na busca por soluções para os problemas que afligem a humanidade. Em cada um dos projetos apresentados, mora uma semente de inovação.
“A gente visitou um asilo e viu que o maior problema era a depressão. Conversando com especialistas da área de fisiologia e psicologia, descobrimos que, com 30 minutos diários de exercícios físicos, há a liberação de um neurotransmissor no cérebro chamado serotonina, que traz prazer e bem estar, combatendo a depressão”, explica Adriano Maciel, 14 anos, aluno do 9º ano do ensino fundamental no Colégio Apoio. Seu colega de sala, Tiago Moraes, mostra que Lampião é todo articulado. “Assim, os idosos podem repetir os movimentos realizados pelo robô”, completa.
Para a coordenadora do projeto, a professora de tecnologia Vancleide Jordão, os alunos que participam desse tipo de iniciativa trazem a perspectiva de um novo Brasil. “Eles estudam mais e não se limitam. São alunos que querem ser cientistas”, diz. Para o coordenador da MNR, Alexandre Simões, professor de robótica da Universidade Estadual Paulista (Unesp), as atividades relacionados à robótica exercem uma atração natural no público jovem, já que se trata de uma geração que possui um grande fascínio pela tecnologia e pela ficção científica: “Hoje, quando o professor entra em sala de aula, ele disputa a atenção com o celular. Nas aulas de robótica, canalizamos essa energia em prol do aprendizado, pois o aluno está naturalmente interessado em construir um robô ou um aplicativo”.
Simões ressalta, ainda, que a robótica em sala de aula está em sintonia com a pedagogia construtivista de Piaget e Papert, pois a proposta desses educadores é construir o conhecimento a partir do contato com um problema real e concreto, trazido pelo desafio de se criar um robô ou um aplicativo. “Uma aula que nos mostra a solução para um problema que não temos é muito desinteressante. Mas quando a gente tem um problema real e precisamos procurar ferramentas para solucioná-lo, dificilmente esse conhecimento que adquirimos será esquecido”, assegura.
Na opinião de Simões, o grande desafio para a expansão do ensino da robótica pelas escolas do país está na capacitação de professores: “Quando a gente passa a usar a robótica em sala de aula, precisamos trabalhar de uma forma diferente da que usualmente estamos acostumados”. Simões explica que nesse novo modo de ensinar, cada aluno acaba fazendo uma pergunta diferente do outro e as dúvidas vão surgindo em diferentes momentos do aprendizado. Nesse processo, os alunos constroem seu conhecimento de acordo com a bagagem que trazem. “Isso assusta um pouco o professor em um primeiro momento, porque é uma aula que foge da tradicional preparação. O professor precisa estar pronto para enfrentar a dúvida que vier nesses diferentes momentos. É uma mudança de paradigma na forma de ensinar”.
A professora Roseli Romero, do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos, conta que o Centro de Robótica de São Carlos (CROB) vem realizando um esforço para estimular as escolas da região a usarem a robótica em sala de aula. No início deste ano, aconteceu um ciclo de palestras para treinar os professores. Essas palestras motivaram várias escolas da região a participaram das competições de robótica que aconteceram juntamente com a MNR. Segundo ela, os educadores que necessitarem de apoio na hora de trabalhar com o tema podem entrar em contato com o CROB pelo email [email protected].
A motivação para encarar o desafio de incluir a robótica em sala de aula, segundo os professores que trilharam essa jornada, é a certeza de que essa pode ser uma ferramenta capaz de despertar nos jovens o sonho de ser cientista e o prazer pela descoberta do conhecimento. Algo que, dificilmente, a gente consegue aprender sem nunca ter experimentado.
Participação premiada
Lampião e Virgulino são veteranos na MNR. No ano passado, eles foram reconhecidos como um dos destaques da Mostra de 2013 devido a seu impacto social. Por causa disso, os estudantes Tiago e Adriano receberam uma bolsa de Iniciação Científica Júnior (ICJ) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) para continuarem a desenvolver o projeto.
Alunos regularmente matriculados no sistema de ensino público ou privado (ensino fundamental, médio, técnico, superior ou pós-graduação) podem inscrever trabalhos na Mostra e seus professores orientadores devem ser co-autores dos trabalhos. Qualquer professor ou pesquisador associado a uma universidade, instituto ou empresa também está apto a submeter um trabalho como autor na categoria pesquisa. Os trabalhos que se destacam na MNR – que seja por mérito acadêmico, técnico ou pelo impacto social – são premiados e podem receber uma bolsa ICJ do CNPq. As inscrições para a Mostra, que é uma iniciativa pública, gratuita e sem fins lucrativos, costumam acontecer entre março e junho de cada ano.
“A MNR dá oportunidade para que os alunos apresentem ideias de inovação tecnológica. Mesmo que o trabalho ainda não esteja pronto, ele pode expor sua ideia, ver como é recebida e continuar desenvolvendo o projeto depois”, explica Romero.
Todos os trabalhos selecionados para a MNR ficam disponíveis para o público em uma mostra virtual neste site, servindo de referência para professores e estudantes realizarem futuros projetos. Além disso, as empresas que se interessarem por comercializar o resultado de um dos trabalhos apresentados pode entrar em contato com os organizadores pelo e-mail [email protected].
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