Leila Kiyomura / Jornal da USP
O Museu de Zoologia, o Museu Paulista, o Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) e o Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP inauguram, no dia 22, a mostra “Olhares Cruzados nos Museus da USP”. São quatro dos museus mais importantes do País, com acervos únicos e que se destacam na América Latina por serem universitários e estarem vinculados à produção do conhecimento e à preservação da história do homem, da natureza e da arte. Sob o tema Identidades Diversas, os museus convidam o público a conhecer as suas origens e cruzar informações em áreas aparentemente distintas, mas que levam a refletir sobre os caminhos do mundo contemporâneo.
A exposição integra a programação dos 80 anos da USP. Com o patrocínio do Banco Bradesco e apoio do Programa de Educação Continuada (Pece) da Escola Politécnica, estarão reunidas na sede do MAC Ibirapuera pinturas, esculturas e objetos coletados que propiciam a compreensão da formação da cultura brasileira e, ao mesmo tempo, a observação dos primeiros indícios de vida em nosso planeta. “Olhares Cruzados” propõe um entroncamento de caminhos que levam às identidades múltiplas e às diferentes abordagens culturais e científicas.
“O título da mostra corresponde à forma como trabalhamos nesse projeto”, explica a professora Heloisa Barbuy, coordenadora da programação dos 80 anos da USP e curadora do Museu Paulista. “Cada um dos museus buscou uma sintonia entre todos e essas conexões poderão ser facilmente percebidas pelo visitante na própria exposição. Representações de seres humanos e animais estarão presentes como formas de estabelecer identidades, e a partir daí há vários caminhos possíveis.”
Heloisa, que também representa o Museu Paulista na curadoria da mostra, explica que selecionou retratos do século 19 como a imagem de D. Pedro I, pintada em óleo sobre tela, de Benedito Calixto, e Francisca Miquelina de Souza Queiroz, de autoria desconhecida, procurando estabelecer um diálogo com uma série de retratos modernos e contemporâneos como o Perfil de Zulmira, óleo sobre tela de Lasar Segall, ou Mulher na Poltrona, litografia sobre papel de Pablo Picasso (ambos do MAC). “Essas obras expressam o quanto o contexto histórico e os padrões vigentes são decisivos na concepção e realização de qualquer retrato ou objeto. Por isso os acervos podem ser considerados como documentos culturais”, diz.
Conexões
O visitante atento vai se surpreender ao observar Índio Pescador (1919-1920), de Francisco Leopoldo e Silva, uma das esculturas que se destacam no edifício em estilo renascentista do italiano Tommaso Gaudenzio Bezzi, o conhecido Museu do Ipiranga, agora muito à vontade no prédio moderno de Oscar Niemeyer. Uma mudança que contextualiza o passado e o presente. O índio, símbolo de identidade nacional, conversa com o Índio e a Suassuapara, de Victor Brecheret, do acervo do MAC. As esculturas trazem aspectos curiosos da cultura indígena. O primeiro registra o cotidiano da sobrevivência e o outro, a luta de dois índios Kalapalo.
Interessante observar o trabalho de artistas que, apesar de conviverem na mesma época e na mesma cidade, e de terem estudado juntos na Academia de França, em Paris, têm leitura e estilos diversos. Ambos foram influenciados pelos mestres renascentistas e pelo impressionista Auguste Rodin. Porém, Brecheret surpreende pelas formas que foram as pioneiras do Modernismo, enquanto Leopoldo e Silva manteve as linhas clássicas.
São esses olhares que os curadores e as equipes de cada museu foram cruzando na montagem das peças no espaço. Segundo a curadora e vice-diretora do MAC, Katia Canton, a expectativa é de que o público perceba a harmonia na integração dos acervos. “Trabalhar em conjunto é sempre uma experiência rica. Os curadores se reuniram quinzenalmente para trocar ideias. A meta foi propiciar um diálogo, tendo como eixo a identidade e diversidade”, comenta.
Katia lembra que o MAC está completando 52 anos. “A pesquisa em um museu de arte contemporânea não observa a obra de arte como objeto autônomo, mas para todo o sistema que a constitui em suas formas de circulação e legitimação. Nesse sentido, a pesquisa tem como meta contribuir para a revisão das escritas da história da arte e da cultura.”
Nessa revisão, o MAC traz as caricaturas e ilustrações de Emiliano Di Cavalcanti que marcaram o Modernismo, a poética das aquarelas de Yolanda Mohalyi e as fotos de Alice Brill, que resgata cenas como a do carnaval em Salvador na década de 1950. E o Museu Paulista apresenta, entre as diversas peças, o vaso e ânfora com mistura das águas dos rios Javari e Capiberibe, de Elio Di Giusto, a coleção de moedas desde D. João V, a importância das gravatas ao longo dos séculos e também objetos que marcaram o cotidiano, como as bonecas e conjuntos de peças de porcelana.
Preservação
As 200 peças que o Museu de Zoologia selecionou dão um novo tom à mostra, trazendo para o espaço a trajetória do homem, as mudanças na natureza e nas formas de vida e seus efeitos no planeta. “Fizemos a seleção do acervo com o intuito de mostrar o papel que as coleções biológicas representam no estudo da biodiversidade”, observa a professora e curadora Maria Isabel Landim. “Além disso, mostramos como a nossa relação com a biodiversidade mudou, e abordamos, na fronteira da biologia, uma interface com as ciências humanas sobre a relação dos seres humanos com a natureza.”
Na mostra, o Museu de Zoologia, que reúne uma das maiores coleções de animais brasileiros do mundo, com cerca de 11 milhões de exemplares, traz a importância de suas pesquisas. “O foco de nossa participação está em apresentar o museu como instituição que tem como principal atividade a atribuição de identidade aos entes da natureza que chamamos de espécies. É uma atividade que nos remete ao passado de instituições similares, os museus de história natural, desde suas origens até os dias atuais.”
Histórias como a do peixe que recebeu o nome de “Macunaíma: herói sem nenhum caráter” serão levadas para a mostra. “Em 2003, a National Science Foundation dos Estados Unidos financiou um ambicioso projeto para aumentar o conhecimento sobre os bagres do mundo”, conta Isabel. “Esse foi o primeiro descrito pela equipe do laboratório de Ictiologia depois de uma expedição ao rio Araguaia e tornou-se nosso herói. Em geral, espécies são descritas por possuírem algum caráter exclusivo. Esta apresenta apenas uma combinação única de caracteres. Daí ter recebido o nome Ituglanis macunaima: herói sem nenhum caráter.”
Nas vitrines, a equipe procurou atribuir a identidade às espécies em uma linguagem simples. Os pesquisadores contam ao público, por exemplo, a história do professor Ubirajara Martins de Souza, que atuou no Museu de Zoologia desde 1959 e descreveu cerca de 2 mil espécies de besouros serrapaus. Uma caixa com diversos exemplares descritos pelo cientista está na mostra.
Novas lagostas, novos peixes, os vários tipos de cupins da Mata Atlântica, além de uma diversidade de vertebrados e invertebrados, também fazem parte da exposição. “No mundo contemporâneo, com nosso planeta abrigando mais de 7 bilhões de seres humanos exercendo enorme pressão sobre ambientes naturais, a urgência do presente nos coloca diante da missão de interpretar a diversidade antes que seja extinta”, diz Isabel. “O museu descreve e estuda espécies para tentar mitigar as ações humanas que provocam seu desaparecimento. Ou seja, é preciso conhecer para preservar.”
Raízes
A história da cultura indígena do Brasil e de outras áreas americanas, as manifestações das culturas africanas e afro-brasileiras, as heranças da antiguidade grega e romana e as sociedades do Oriente Médio compõem o acervo do MAE. Para a mostra “Olhares Cruzados”, os curadores Camilo de Mello Vasconcellos, Marisa Coutinho Afonso e Carla Gibertoni Carneiro escolheram 35 peças significativas para pontuar as raízes da nossa cultura. “A discussão sobre identidade cultural é baseada no acervo que representa diferentes grupos humanos no tempo e no espaço, revelando as histórias, mudanças culturais e ambientais”. explica a professora Marisa.
A equipe de curadores selecionou sete peças de arqueologia brasileira, como crânio humano e estatueta antropomorfa, encontrados em sambaquis e sítios arqueológicos localizados no litoral brasileiro; cerâmicas amazônicas das regiões de Santarém e da Ilha do Marajó; seis peças de arqueologia clássica, como vaso e ânfora gregas, terracota etrusca, tampa de sarcófago egípcio e vaso canopo; quatro peças de arqueologia pré-colombiana, como cerâmicas das culturas Mochica, Chimu e Paracas.
Há também nove peças de etnologia brasileira que incluem cerâmicas, plumárias, máscaras de vários grupos, como Karajá, Bororo, Kaapór, Kayapó-Xikrin, Yawalapiti, Tukuna e Tapirapé, e nove peças de etnologia africana, incluindo estatuetas, máscaras, joias, metal de várias regiões da África ocidental. “Apesar das diferentes áreas de conhecimento em que atuam os quatro museus, a seleção das peças permite a apresentação das maneiras como as pessoas se representam em várias culturas, a sua utilização em atividades cotidianas ou cerimoniais e uma discussão sobre a sociodiversidade e a biodiversidade”, afirma Marisa.
Olhares Cruzados nos Museus da USP – exposição comemorativa aos 80 anos da USP, com patrocínio do Banco Bradesco e apoio do Programa de Educação Continuada da Escola Politécnica da USP. Abertura para convidados no dia 22 e para o público no dia 23 de janeiro. Museu de Arte Contemporânea (MAC) Ibirapuera, na avenida Pedro Álvares Cabral, 1.301. Até 14 de junho, terças, das 10 às 21 horas; de quarta a domingo, das 10 às 18 horas. Entrada gratuita. Mais informações pelo telefone (11) 2648- 0254 e no site www.mac.usp.br.
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