Para o público mais jovem, que não teve tanto contato direto com este profissional, pode soar estranha a ideia de um farmacêutico realizando residência em um hospital. Mas a atividade é uma etapa importantíssima no ensino de Farmácia – e pode ajudar a reconectar o aluno à essência do trabalho do farmacêutico como profissional da saúde
Este lado da profissão foi se perdendo a partir da década de 40, quando os medicamentos industrializados tomaram o lugar dos manipulados. O farmacêutico se afastou do usuário e passou a assumir uma função mais tecnicista e burocrática – o que trouxe como consequência um grande problema. “O uso não racional dos medicamentos é uma questão de saúde pública. Os usuários adquirem os medicamentos, uma tecnologia complexa, mas não são orientados a utilizá-los e os tomam de forma inadequada”, afirma Eliane Ribeiro, professora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) e diretora do Departamento de Farmácia e Laboratório Clínico do Hospital Universitário (HU), ambos da USP.
Assim, na década de 80, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu a necessidade da organização da cadeia de distribuição de medicamentos e enfatizou a importância do farmacêutico como membro da equipe de atenção em saúde, o que foi refletido em iniciativas na academia buscando aprimorar a formação deste profissional, como o Programa de Residência em Área Profissional da Saúde em Farmácia Clínica e Atenção Farmacêutica, coordenado por Eliane. A cada ano, o programa recebe oito residentes que, durante dois anos, desenvolvem atividades no HU, na Farmácia Universitária da USP, Unidades Básicas de Saúde, e também no Centro de Vigilância Sanitária da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo.
Trata-se de uma modalidade de pós-graduação caracterizada pelo ensino em serviço. Com a supervisão de preceptores, os residentes participam das decisões que envolvem a prescrição dos medicamentos, orientam os pacientes sobre sua utilização e armazenamento, e monitoram a resposta ao tratamento determinado. Em geral recém-formados, esses farmacêuticos recebem uma bolsa, financiada pelos Ministério da Saúde e da Educação e Cultura, e atuam em regime de dedicação exclusiva.
Dedicação
E não poderia ser diferente: a residência prevê 60 horas semanais. Segundo o residente Paulo Victor Peçanha, uma das atividades diárias desenvolvidas é a participação nas visitas médicas, onde acontecem a discussão dos casos e a decisão sobre como deve prosseguir o tratamento. Esse envolvimento permite ao farmacêutico intervir na prescrição, propondo, por exemplo, um ajuste na dose, dependendo do histórico do paciente, ou mesmo um outro tratamento, considerando as possíveis reações e interações medicamentosas.
“Então eles trazem a prescrição para a farmácia, fazendo a interface da farmácia clínica com a farmácia hospitalar, pois precisamos preparar esses medicamentos para serem dispensados aos pacientes internados”, explica a coordenadora da residência. “Eles entendem a história do paciente, quais as necessidades em relação aos medicamentos, e isso dentro de uma equipe multiprofissional”, completa.
A estrutura do HU, um hospital de média complexidade, e a experiência de quase 20 anos em Farmácia Clínica permitem esse contato amplo com as especialidades, o que influenciou também a própria organização do curso em duas etapas: no primeiro ano, o residente tem contato com várias áreas, passando por diversos locais, e só no segundo ano escolhe a especialidade: Clínica Pediátrica, Clínica Adulto, Atenção Básica ou Controle de Infecção.
Há muitos os casos em que uma interação ativa com o usuário é determinante para um tratamento eficaz, como em relação aos analfabetos funcionais.
“O hospital é um lugar muito dinâmico, todo dia você aprende uma coisa nova”, relata a residente do primeiro ano Luiza Gomes de Campos Nascimento. Ela comenta ainda que algumas clínicas requerem maior contato com o paciente, caso da pediatria, mas há muitos os casos em que uma interação ativa com o usuário é determinante para um tratamento eficaz, como em relação aos analfabetos funcionais. A vivência proporcionada pela residência em farmácia ajuda o farmacêutico a compreender – e melhorar – não apenas a relação com o paciente, mas também com as próprias equipes de saúde. “Temos contato com nutricionistas, médicos, outros farmacêuticos, enfermeiros, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, alunos graduação, de mestrado e doutorado, professores…são muitos conhecimentos a toda hora”, afirma o residente Marcus Vinícius Terashima de Pinho.
Ser farmacêutico
A coordenadora da Residência em Área Profissional da Saúde em Farmácia Clínica e Atenção Farmacêutica da FCF conta que após a graduação, muitos acabam se frustrando pelo perfil tecnicista em que boa parte dos profissionais acaba se encaixando, e não se sentem, de fato, um profissional da área da saúde. “Mas aqui eles encontram a essência do que é ser farmacêutico”.
A introdução do programa possibilitou o acompanhamento integral dos pacientes internados e a ampliação dos estágios para os alunos de graduação. “Para o Departamento, o Programa de Residência foi muito enriquecedor. Foi a realização de um sonho: a aproximação do ensino da Farmácia Clínica e Atenção Farmacêutica no Brasil, seja em nível de especialização ou de graduação, ao adotado em centros internacionais de excelência na área”, afirma Eliane.
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