Humor
“Humor”, do latim humore, é uma forma de entretenimento e de comunicação humana, para fazer com que as pessoas riam e se sintam felizes.
Na literatura, um dos segredos do texto com humor é o inesperado, que traz comicidade para a trama, provocando o riso do leitor. Um bom exemplo é o texto abaixo, de Stanislaw Ponte Preta.
A velha contrabandista
Diz que era uma velhinha que sabia andar de lambreta. Todo dia ela passava pela fronteira montada na lambreta, com um bruto saco atrás da lambreta. O pessoal da Alfândega – tudo malandro velho – começou a desconfiar da velhinha.
Um dia, quando ela vinha na lambreta com o saco atrás, o fiscal da Alfândega mandou ela parar. A velhinha parou e então o fiscal perguntou assim pra ela:
– Escuta aqui, vovozinha, a senhora passa por aqui todo dia, com esse saco aí atrás. Que diabo a senhora leva nesse saco?
A velhinha sorriu com os poucos dentes que lhe restavam e mais os outros, que ela adquirira no odontólogo, e respondeu:
– É areia!
Aí quem sorriu foi o fiscal. Achou que não era areia nenhuma e mandou a velhinha saltar da lambreta para examinar o saco. A velhinha saltou, o fiscal esvaziou o saco e dentro só tinha areia. Muito encabulado, ordenou à velhinha que fosse em frente. Ela montou na lambreta e foi embora, com o saco de areia atrás.
Mas o fiscal ficou desconfiado ainda. Talvez a velhinha passasse um dia com areia e no outro com a muamba, dentro daquele maldito saco. No dia seguinte, quando ela passou na lambreta com o saco atrás, o fiscal mandou parar outra vez. Perguntou o que é que ela levava no saco e ela respondeu que era areia, uai! O fiscal examinou e era mesmo. Durante um mês seguido o fiscal interceptou a velhinha e, todas as vezes, o que ela levava no saco era areia.
Diz que foi aí que o fiscal se chateou:
– Olha, vovozinha, eu sou fiscal de alfândega com 40 anos de serviço. Manjo essa coisa de contrabando pra burro. Ninguém me tira da cabeça que a senhora é contrabandista.
– Mas no saco só tem areia! – insistiu a velhinha. E já ia tocar a lambreta, quando o fiscal propôs:
– Eu prometo à senhora que deixo a senhora passar. Não dou parte, não apreendo, não conto nada a ninguém, mas a senhora vai me dizer: qual é o contrabando que a senhora está passando por aqui todos os dias?
– O senhor promete que não “espáia”? – quis saber a velhinha.
– Juro – respondeu o fiscal.
– É lambreta.
A seguir, outro exemplo, agora de Luís Fernando Veríssimo:
Conto erótico n. 1
– Assim?
– É. Assim.
– Mais depressa?
– Não. Assim está bem. Um pouco mais para…
– Assim?
– Não, espere.
– Você disse que…
– Para o lado. Para o lado!
– Querido…
– Estava bem mas você…
– Eu sei. Vamos recomeçar. Diga quando estiver bem.
– Estava perfeito e você…
– Desculpe.
– Você se descontrolou e perdeu o…
– Eu já pedi desculpa!
– Está bem. Vamos tentar outra vez. Agora.
– Assim?
– Quase. Está quase!
– Me diga como você quer. Oh, querido…
– Um pouco mais para baixo.
– Sim.
– Agora para o lado. Rápido!
– Amor, eu…
– Para cima! Um pouquinho…
– Assim?
– Aí! Aí!
– Está bom?
– Sim. Oh, sim. Oh yes, sim.
– Pronto.
– Não. Continue.
– Puxa, mas você…
– Olhaí. Agora você…
– Deixa ver…
– Não, não. Mais para cima.
– Aqui?
– Mais. Agora para o lado.
– Assim?
– Para a esquerda. O lado esquerdo!
– Aqui?
– Isso! Agora coça.
O humor também é uma forma poderosíssima de manifestarmos nosso descontentamento. Fazendo rir, pode-se fazer as pessoas também pensarem.
Para chamar a atenção, fazer pensar e provocar um debate sobre a ânsia consumista, os modismos, o conflito de gerações e o choque entre os valores morais “passados e modernos”, Veríssimo conta uma historinha engraçada:
Pai não entende nada
– Um biquíni novo?
– É, pai.
– Você comprou um ano passado!
– Não serve mais pai. Eu cresci.
– Como não serve mais? No ano passado você tinha 14 anos, esse ano você tem 15. Não cresceu tanto assim.
– Não serve, pai.
– Está bem, está bem. Toma o dinheiro compra um biquíni maior.
– Maior não, pai. Menor.
Aquele pai, também, não entendia nada.
Como se sabe, existem mecanismos linguísticos que determinam efeitos de humor em textos. Dois exemplos são a ironia e a ambiguidade.
Ironia
Ironia: É uma figura que se caracteriza pelo emprego inteligente de contrastes, com o intuito de criar ou ressaltar certos efeitos humorísticos. Observe o texto a seguir.
O ator
O homem chega em casa e é recebido pela mulher e os dois filhos, alegremente. Distribui beijos entre todos, pergunta o que há para jantar e dirige-se para o seu quarto. Vai tomar um banho, trocar de roupa e preparar-se para algumas horas de sossego na frente da televisão antes de dormir. Quando está abrindo a porta do seu quarto houve uma voz que grita:
– Corta!
O homem olha em volta, atônito. Descobre que sua casa não é uma casa, é um cenário. Vem alguém e tira o jornal e a pasta das suas mãos. Uma mulher vem ver se a sua maquilagem está bem e põe um pouco de pó no seu nariz. Aproxima-se um homem com um script na mão dizendo que ele errou uma das falas na hora de beijar as crianças.
– O que é isso? – Pergunta o homem. – Quem são vocês? O que estão fazendo dentro da minha casa? Que luzes são essas?
– O que, enlouqueceu? – Pergunta o diretor. – Vamos ter que repetir a cena. Eu sei que você está cansado, mas…
– Estou cansado, sim senhor. Quero tomar o meu banho e botar meu pijama. Saiam da minha casa. Não sei quem são vocês, mas saiam todos! Saiam!
O diretor fica parado de boca aberta. Toda a equipe fica em silêncio. Finalmente o diretor levanta a mão e diz:
– Tudo bem, pessoal. Deve ser estafa. Vamos parar um pouquinho e…
– Estafa coisa nenhuma! Estou em minha casa, com a minha… A minha família! O que vocês fizeram com ela? Minha mulher! Os meus filhos!
O homem sai correndo entre os fios e os refletores, à procura da família O diretor e o assistente tentam segurá-lo. E então ouve-se uma voz que grita:
– Corta!
Aproxima-se outro homem com um script na mão. O homem descobre que o cenário, na verdade, é um cenário. O homem com um script na mão diz:
– Está bom, mas acho que você precisa ser mais convincente.
– Que-quem é você?
– Como, quem sou eu? Eu sou o diretor. Vamos refazer esta cena. Você tem que transmitir melhor o desespero do personagem. Ele chega em casa e descobre que sua casa não é uma casa, é um cenário. Descobre que está no meio de um filme. Não entende nada.
– Eu não entendo…
– Fica desconcertado. Não sabe se enlouqueceu ou não.
– Eu devo estar louco. Isso não pode estar acontecendo. Onde está minha mulher? Os meus filhos? A minha casa?
– Assim está melhor. Mas espere até começarmos a rodar. Volte para a sua marca. Atenção, luzes…
– Mas que marca? Eu não sou personagem nenhum. Eu sou eu! Ninguém me dirige. Eu estou na minha própria casa, dizendo minhas próprias falas…
– Boa, boa. Você está fugindo um pouco do script, mas está bom.
– Que script? Não tem script nenhum. Eu digo o que quiser. Isto não é um filme. E mais, se é um filme, é uma porcaria de filme. Isto e simbolismo ultrapassado. Essa de que o mundo é um palco, que tudo foi predeterminado, que não somos mais que atores… Porcaria!
– Boa, boa. Está convincente. Mas espere começar a filmar. Atenção…
O homem agarra o diretor pela frente da camisa.
– Você não vai filmar nada! Está ouvindo? Nada! Saia da minha casa.
O diretor tenta livrar-se. Os dois rolam pelo chão. Nisto ouve-se uma voz que grita:
– Corta!
(Luis Fernando Veríssimo)
Dica 1 – Revise em mais esta aula sobre o Primeiro Momento do Modernismo e fique preparado para Literatura Enem. Estude conosco para o Exame Nacional do Ensino Médio – https://fuvestibular.com.br/modernismo-primeiro-momento-2-literatura-enem/
Veríssimo cria uma situação inusitada ao confrontar uma casa de família, aparentemente normal, com um estúdio de cinema.
Ambiguidade
Vício de linguagem, também chamado anfibologia, pelo qual uma frase é construída, involuntariamente, com mais de uma interpretação. Exemplos: “Daniela, a Marina disse que seu pai chegou de viagem” e “Empresas negam oferecimento de propina”. Nas duas frases, o pronome seu e a forma verbal negam são os responsáveis pelo defeito sintático. Há, porém, casos em que a duplicidade de sentido é intencional, como nos trocadilhos e jogos de palavras, quando a leitura ambígua deixa de ser vício. Exemplos são “A situação daquele laboratório farmacêutico não tem remédio” e a frase de pára-choque de caminhão “Não mexa com a mulher dos outros e mantenha a sua direita”.
Manuel Bandeira, poeta maior, escreveu um texto chamado Poema só para Jayme Ovalle. Para um poema cujo tema é essencialmente a solidão, o título é intencionalmente ambíguo. No poema de Bandeira, “só” pode referir-se a “poema” (“poema solitário”, por exemplo) ou a “Jayme Ovalle” (“poema feito exclusivamente para Jayme Ovalle”, por exemplo). Veja o texto integral:
Quando hoje acordei, ainda fazia escuro
(Embora a manhã já estivesse avançada).
Chovia.
Chovia uma triste chuva de resignação
Como contraste e consolo ao calor tempestuoso da noite.
Então me levantei,
Bebi o café que eu mesmo preparei,
Depois me deitei novamente, acendi um cigarro e fiquei pensando…
– Humildemente pensando na vida e nas mulheres que amei.
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Desafios
Questão 01
Leia o fragmento a seguir, extraído da crônica “Vivendo e…”, de Luis Fernando Veríssimo.
Na verdade, deve-se revisar aquela antiga frase. É vivendo e desaprendendo. Não falo daquelas coisas que deixamos de fazer porque não temos mais as condições físicas e a coragem de antigamente, como subir em bonde andando – mesmo porque não há mais bondes andando. Falo da sabedoria desperdiçada, das artes que nos abandonaram.
(VERÍSSIMO, Luis Fernando. Comédias para se ler na escola. Rio de Janeiro: Objetiva. 2001, p. 46.)
A alteração que o autor faz no ditado popular “Vivendo e aprendendo” evidencia certo sentimento de:
a) nostalgia.
b) revolta.
c) incompreensão.
d) arrependimento.
e) revolta.
Dica 2 – Relembre tudo sobre a Primeira Fase do Modernismo (aula 1) e fique pronto para Literatura Enem. O Exame Nacional do Ensino Médio está chegando! – https://fuvestibular.com.br/modernismo-primeiro-momento-aula-de-literatura-enem/
Questão 02
Os fragmentos textuais abaixo foram extraídos de crônicas de Luis Fernando Veríssimo. Aquele em que o termo sublinhado constitui uma onomatopeia é:
a) “Originalmente, portanto, ‘tintim por tintim’ indicava um pagamento feito minuciosamente, moeda por moeda.” (Tintim)
b) “Plúmbeo devia ser o barulho que um corpo faz ao cair na água.” (Defenestração)
c) “Depois de dizer ‘quatrilhão’ você tem que pular para trás, senão ele esmaga os seus pés.” (Pudor)
d) “É dizer ‘Sílfide’ e ficar vendo suas evoluções no ar, como as de uma borboleta.” (Pudor)
Texto para questão 03
O Jargão
Sou fascinado pela linguagem náutica, embora minha experiência no mar se resuma a algumas passagens em transatlânticos, onde a única linguagem técnica que você precisa saber e “a que horas servem o bufê?”. Nunca pisei num veleiro e se pisasse seria para dar vexame na primeira onda. Eu enjôo em escada rolante. Mas, na minha imaginação, sou um marinheiro de todos os calados. Senhor de ventos e de velas e, principalmente, dos especialíssimos nomes da equipagem.
Me imagino no leme do meu grande veleiro, dando ordens à tripulação:
Recolher a traquineta!
Largar a vela bimbão, não podemos perder esse Vizeu.
(O Vizeu é um vento que nasce na costa ocidental da África, faz a volta nas Malvinas e nos ataca a bombordo, cheirando a especiarias, carcaças de baleia e, estranhamente, a uma professora que eu tive, no primário.)
(Luis Fernando Veríssimo. Comédias para se ler na escola)
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Questão 03
Sobre o texto, podemos afirmar que:
a) O narrador da crônica usa uma linguagem empregada pelos tripulantes dos barcos da época medieval.
b) O narrador era um marinheiro que, mesmo adorando o mar, sentia enjoo durante as viagens.
c) Jargão, de acordo com o dicionário da Língua Portuguesa, significa: vocabulário próprio de uma profissão ou atividade. Na crônica, o termo tem o mesmo sentido.
d) O trecho: “Me imagino no leme do meu grande veleiro, dando ordens à tripulação”, está de acordo com a norma culta da Língua Portuguesa.
e) O narrador é em terceira pessoa.
Texto para questões 04 e 05.
Cotidiano
Composição: Chico Buarque
Todo dia ela faz
Tudo sempre igual
Me sacode
Às seis horas da manhã
Me sorri um sorriso pontual
E me beija com a boca
De hortelã…
Todo dia ela diz
Que é pr’eu me cuidar
E essas coisas que diz
Toda mulher
Diz que está me esperando
Pr’o jantar
E me beija com a boca
De café…
Todo dia eu só penso
Em poder parar
Meio-dia eu só penso
Em dizer não
Depois penso na vida
Prá levar
E me calo com a boca
De feijão…
Seis da tarde
Como era de se esperar
Ela pega
E me espera no portão
Diz que está muito louca
Prá beijar
E me beija com a boca
De paixão…
Toda noite ela diz
Pr’eu não me afastar
Meia-noite ela jura eterno amor
E me aperta pr’eu quase sufocar
E me morde com a boca de pavor…
Questão 04
O texto acima se relaciona com qual gênero literário?
a) Crônica.
b) Conto.
c) Romance.
d) Novela.
e) Fábula.
Questão 05
O trecho “E me beija com a boca” traz qual figura de linguagem?
a) Antítese.
b) Onomatopeia.
c) Sinestesia.
d) Pleonasmo.
e) Metáfora.
Você consegue resolver estes exercícios? Então resolva e coloque um comentário no post, logo abaixo, explicando o seu raciocínio e apontando a alternativa correta para cada questão. Quem compartilha a resolução de um exercício ganha em dobro: ensina e aprende ao mesmo tempo. Ensinar é uma das melhores formas de aprender!
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