Muitos alunos não têm certeza, na hora da prova, sobre a real intenção dos textos que uma proposta de redação traz, por não saberem se eles se destinam a ajudar, no sentido de esclarecer pontos confusos sobre o tema, ou a atrapalhar, no sentido de não se poder copiar as informações e as ideias que eles trazem. Nenhumas das duas intenções imaginadas se mostram no fim verdadeiras: a primeira porque, mais do que explicar ou esclarecer pontos confusos, o que a banca apresenta por meio dos textos é a sua perspectiva em relação ao tema proposto, que deve ser entendida e assimilada; a segunda porque, embora sem a permissão de copiar literalmente os textos apresentados, a banca acaba por sugerir algumas ideias e informações que podem sim ser utilizadas pelos alunos. Dessa forma, muito mais que explicar ou prevenir a cópia, os textos da banca fazem, em seu conjunto, um certo tipo de entendimento prévio sobre a questão proposta, e que é repassada aos alunos para que eles, a partir desse entendimento, possam desenvolver sua própria perspectiva.
A noção de perspectiva é aqui importante. Para que no fim a redação possa ter a cara do aluno, ele vai precisar imprimir ao texto que escreve a sua própria visão sobre o fato em questão no tema. Ele precisará então perceber primeiro qual é a perspectiva da banca, a partir da leitura dos textos, para aí sim iniciar a sua apresentação, seja em concordância com a banca, seja discordando dela.
(a) Tipos de tema
Há dois tipos básicos de tema: aqueles que poderiam ser chamados denotativos, e os chamados conotativos. Conotação quer dizer algo que uma palavra ou coisa sugere, a implicação de seu sentido. É comum nomearmos a conotação como sendo o sentido figurado de um termo.
Em contrapartida, a denotação é aquilo que a palavra ou o termo expressam e significam literalmente, sem implicar sentidos diversos. A denotação é uma espécie de sentido concreto de um termo, aquele que encontramos nos dicionários e enciclopédias.
Desse modo, pode haver temas que são denotativos (cujos textos que estabelecem o tema são objetivos e diretos) e outros que são conotativos (que se utilizam de linguagem metafórica, poética, figurada) em uma prova de vestibular. Caberá ao aluno perceber que tipo de proposta lhe estará sendo feita, para melhor se valer dela para a sua redação.
Veremos exemplos de cada um desses temas.
(b) Análise de tema denotativo
Vamos pegar, como exemplo de tema denotativo, aquele que foi oferecido pelo ENEM 2011, cuja proposta assustou muitos, e deixou tantos outros sem uma reação satisfatória. Posto o link da prova aqui, e pediria a vocês que o lessem antes de observarem as reflexões que faremos em seguida.
http://download.inep.gov.br/educacao_basica/enem/provas/2011/05_AMARELO_GAB.pdf
Vejamos então o que nos diz o tema. Ele nos diz que o aluno precisará trabalhar a seguinte questão: viver em rede no século XXI: os limites entre o público e o privado. É interessante perceber que só a leitura da frase principal nos mostra a seguinte noção: o aluno deverá trabalhar dois aspectos em separado, (1) o viver em rede e (2) os limites do público e privado. Mais ainda, o aluno terá que relacionar as duas coisas de maneira a mostrar como (1) influencia ou é influenciado por (2). Com isso, podemos iniciar a leitura dos textos-base.
Antes de lermos os textos em separado, é preciso notar que eles formam um conjunto, a fim de expressar a perspectiva da banca em relação ao tema. Para compreendermos essa unidade, é preciso analisar separadamente cada texto, a ver qual a informação principal e mais importante que está sendo transmitida ali. Nesse momento, precisamos fazer uma rápida leitura dos textos, anotando em um rascunho aquela que nos parece ser a informação principal do texto em questão. Vejamos:
O primeiro texto trabalha a notícia que nos diz ter a ONU declarado o acesso à rede um direito fundamental do ser humano. Essa é a informação fundamental do primeiro texto.
O segundo texto apresenta as mudanças de comportamento que a internet trouxe à vida das pessoas, primeiro ilustrando o acesso à rede como tendência crescente mundial, segundo apontando a necessidade de se vincular a questão da rede ao problema do público e do privado.
O terceiro texto (uma charge, na verdade) ilustra, com ironia, a terrível consequência do que ele chamou de Sociedade do Controle, que submete tanto o cidadão comum quanto
O que podemos compreender a partir desta forma como o tema nos foi proposto? Se olhamos em conjunto, percebemos que as três informações advindas dos textos da prova nos apresentam a seguinte situação: há um avanço do uso das redes por parte da população mundial, e há um assentimento do governo mundial em relação ao direito que todo homem tem de usá-las. O uso das redes sociais, no entanto, precisa estar vinculado ao modo que cada homem tem de operar tanto na esfera pública quanto na esfera privada: ele precisa entender que a rede, a partir do reconhecimento de seu valor social, é um espaço público e não privado, e o que é postado e transmitido no mundo virtual deve ser observado tal como nós observamos nossos relacionamentos no mundo real – pois, tal como na sociedade real, estamos sendo vigiados e controlados no mundo virtual, nas redes sociais.
Fica claro, com isso, que tipo de proposta a banca apresentou ao aluno: ela queria ver sua capacidade em relacionar a perspectiva apresentada, que vimos acima, com suas informações e experiências pessoais, a fim de criar um texto ao mesmo tempo crítico e original. As possibilidades de se criar um texto sobre esse tema são várias, mas aqui iremos retratar uma destas possibilidades.
Uma tese possível poderia estar em defender a visão de que o avanço das redes sociais enquanto um espaço público tende, cada vez mais, a reprimir e controlar o cidadão comum em seus atos mais simples, com a ressalva de que faz isso para o bem coletivo. Um aluno que apresentasse uma tese como essa precisaria, para ser bem sucedido, defendê-la (1) explicando o impacto do avanço das redes sociais na vida privada e pública; (2) o controle que se pode exercer sobre as pessoas, física e virtualmente, enquanto consequência deste avanço; para enfim (3) mostrar como isto seria prejudicial para a liberdade individual. Você vai perceber que qualquer aluno que tenha feito isso antes de começar a escrever a sua redação terá disponível para criar o seu texto todas as informações de que irá precisar. É isso que chamamos de planejamento do texto. O próximo passo será então pensar nos melhores argumentos para defender cada um dos três pontos acima, e partir para a escrita da redação!
(c) Análise de tema conotativo
A grande dificuldade de um tema conotativo é a presença não apenas de textos poéticos ou “filosóficos”, crônicas pessoais ou frases de efeito, mas de uma proposta que apresente um tom, por assim dizer, subjetivo, abstrato, e que exige do aluno um maior rigor tanto na atenção com a proposta quanto na escolha certa da tese que deverá apresentar. Para isso, é indicado ter bastante familiaridade com esses gêneros de texto, a fim de que a informação principal que está sendo transmitida não seja deturpada no meio do caminho por problemas de compreensão.
Para nosso exemplo aqui, escolhi o tema do ENEM 2006, que criou também bastante dificuldade para os alunos, sendo uma das propostas que mais reuniu redações com fuga ao tema. A proposta é a que segue (mais uma vez, pediria a vocês que lessem antes de seguirmos com a explicação).
http://www.vestibulandoweb.com.br/enem/prova-enem-amarela-2006.pdf
Vejamos então o que nos diz o tema. Ele pede ao aluno para trabalhar a seguinte questão: O poder de transformação da leitura. O problema das redações apresentadas à época era que os alunos se detinham em explicar as maravilhas da leitura, em defender e apregoar a leitura a todos, sem sequer mencionarem (1) o que de fato há na leitura que possibilite a mudança de alguém, e (2) que tipo de mudança seria essa. Somente alguém que tenha estabelecido um texto sobre estas duas exigências teria conseguido se manter dentro do tema.
Como já falamos antes, o tema deve ser entendido como uma unidade, um conjunto que transmite a visão que a banca possui – ou quer apresentar aos alunos para diálogo – sobre o tema. Nesse sentido, devemos tentar entender o que se está dizendo, para então prosseguirmos com a nossa própria visão.
O primeiro texto foi retirado de um site, e comenta sobre a ação de ler e os efeitos que ela provoca. Se quiséssemos apreender a informação fundamental que o texto nos apresenta, poderíamos resumi-la na constatação de que há um intercâmbio entre o nosso contato com o mundo e o nosso contato com a palavra (por conseguinte, com os textos, com os livros): a leitura nos faz perceber melhor o mundo ao nosso redor, porque eleva o número de experiências pessoais. Ler é, como diz a autora, decifrar o desconhecido para nós, mas só podemos decifrá-lo porque já conhecemos alguma coisa do mundo. A leitura amplia fronteiras.
O segundo texto traz o testemunho de um de nossos grandes escritores, o imortal Moacyr Scliar. Ele nos conta que, por influência familiar, teve acesso ao mundo dos livros, mundo esse que o fez ser quem ele foi e sem o qual não chegaria a sê-lo. A lição aqui é não só a transformação de uma vida, mas a de um escritor em específico; o que nos mostra ainda que a leitura é imprescindível para o desenvolvimento da escrita.
O terceiro e último texto apresenta ao leitor a incrível experiência de ler: um livro é um universo, bidimensional e ao mesmo tempo repleto de experiências, a que podemos ter acesso apenas lendo-o. A mensagem aqui é clara, e está complementando a do primeiro texto: ler é ampliar horizontes, conhecer novos universos de sentimentos e de pensamentos, e esta ampliação é algo que nos enriquece.
Dito isso, o que a banca espera do aluno? É possível perceber claramente que a proposta gira em torno de alguns conceitos básicos: (1) a transformação que a leitura provoca está ligada ao enriquecimento cultural, ao desenvolvimento de si mesmo; (2) essa transformação influencia toda a vida de quem a ela se submete, seja no modo de viver, seja mesmo na capacidade de escrever melhor; e por fim, (3) quem passa por essa mudança não permanece o mesmo, mas cresce, cultural e pessoalmente, e assim se torna um ser humano melhor. Sobre essa proposta, uma tese que contemple, por exemplo, os efeitos benéficos da leitura sobre o desenvolvimento moral e ético do cidadão, poderia apresentar justificativas no desenvolvimento como estas: (a) quais os efeitos da leitura sobre a pessoa; (b) qual a relação entre leitura e aprendizado de valores; (c) como a leitura transforma aquele que lê em uma pessoa melhor. Mais uma vez, temos aqui uma boa tese, já devidamente organizada nos três tópicos que deverão compor o desenvolvimento, a fim de justificar a tese. A dificuldade dos temas conotativos se encontra, no entanto, mais na interpretação do tema que propriamente na feitura da redação: cabe ao aluno uma atenção maior
nesse aspecto, para não ver sua redação zerar no resultado.